Eu ainda era pequeno. Tinha apenas 6 anos. Não entendia
direito as coisas. Não entendia, mas sentia como qualquer outra pessoa. Sentia que
havia uma expectativa no ar. As pessoas lá em casa estavam ansiosas. Eu sentia
que algo de importante estava para acontecer. Mas não podia acontecer de
qualquer forma. Tinha que ser de um jeito especial, de um jeito que fizesse
valer toda aquela ansiedade, toda aquela expectativa. As pessoas sofriam e eu
não entendia direito a razão daquele sofrimento. Não entendia, mas sentia e
também sofria.
Outras pessoas, com uma expressão de quem é menos feliz, vivam
azucrinado, como dizia meu tio, a vida deles. Recordo nitidamente que esses
menos felizes bradavam que seria mais um ano de fila, que “não sei quem” faria
23 anos naquele dia e outras coisas que irritavam os mais felizes.
Porém, os mais felizes, mesmo irritados, não perdiam a classe, a postura. Ouviam tudo
passivamente. Parecia que eles tinham a certeza que algo muito bom estava para acontecer.
Em determinado momento parece que o mundo parou. Não se
ouvia barulho, não se via ninguém nas ruas. Como num passe de mágica, o mundo
voltou suas atenções para um tal de Morumbi.
Me vestiram uma camisa preta e listras brancas. Ou será que
era branca de listras pretas? Não importa, a verdade é que eu me sentia como
alguém que estava vestido para ir a uma festa.
Com o passar do tempo eu via que os mais felizes estavam com
uma expressão mais tensa do que a de algumas horas atrás, e fiquei sabendo o que
acontecia no tal de Morumbi. Lá, o Corinthians, que era a razão da felicidade
dos mais felizes, jogava uma partida final de futebol com um time chamado Ponte
Preta.
Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo. Não
entendia, mas sentia. Sentia que aquele jogo era importante para a vida dos
mais felizes. Se o Corinthians ganhasse, os mais felizes ficariam mais felizes
ainda. Se perdesse, eles ficariam tristes, porém não deixariam der ser os mais
felizes. Pode parecer loucura, mas nessa incoerência de sentimentos está a
magia da felicidade dos mais felizes. E claro que eu torci para a vitória do
Corinthians, pois eu já fazia parte os mais felizes e, portanto, queria vê-los
mais felizes ainda.
Eu não entendi muito bem o que acontecia. Não entendia, mas sentia.
Como senti uma alegria indescritível quando todos explodiram de alegria e
gritaram gol de Basílio. Impulsivamente fiz mesmo, e mais corri para o quintal
a pular e gritar, como que para avisar os menos felizes que nós, os mais
felizes, estávamos mais felizes ainda.
Essa felicidade dos mais felizes tinha dois nomes:
Corinthians e Basílio. Eu não entendia muito bem o que eles eram. Não entendia,
mas sentia, e sentia também que aquele dia entraria para a história, assim como
o Corinthians e o Basílio fariam parte da vida dos mais felizes para sempre. Eu
sentia o que eles significavam para os mais felizes. Em resumo, naquele dia de
1977, o Corinthians e o Basílio fizeram dos mais felizes, um povo bem mais
feliz, e os menos felizes, como sempre, ficaram menos felizes com afelicidade dos mais felizes.
E é assim até hoje.
Sandro Aloísio
(Texto retirado da Revista "Raça Corinthiana" - Ano 1 - Nº 0 - 1995)
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